Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

O apelido Bola Murcha devia-se ao fato de ser homem tranquilo, bonachão, a pacatez em pessoa. Fazenda próxima da cidade mineira de porte médio, terras acidentadas, tirava leite em seis retiros para pagar as despesas com os 18 empregados. Gado mestiço não muito leiteiro, criava e recriava machos e fêmeas, vendia os bois gordos e incorporava as melhores mestiças ao rebanho leiteiro.

Tinha quatro fazendas em Goiás e Mato Grosso, exclusivamente de corte, viajando em seu pequeno avião. Era aquilo que os americanos chamam natural pilot, nasceu para pilotar. Se o tempo enfarruscava na rota do monomotor, procurava um aeroporto qualquer, hangarava a aeronave e se metia num hotel até o tempo melhorar. Ajudava-o nesses hotéis o fato de ser leitor compulsivo, lia tudo sobre os mais diversos assuntos, tinha sempre uma porção de novos livros no avião. Bebia bem, mas só à noite. Tocava sua vidinha honestamente, trabalhando pela família e pelo país.

O Houaiss e o VOLP, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, nos conformes do maldito Acordo Ortográfico assinado pelo presidente Lula da Silva – logo por ele! –, não têm o verbo hangarar. Problema deles, não meu, que sempre ouvi pilotos dizendo que suas aeronaves estavam hangaradas. E um hangar, sabemos todos, é abrigo para aviões, balões, dirigíveis, barcos, etc. Vem do francês hangar, idioma em que entrou no ano de 1337 com outro significado, considerando que no século XIV não existiam aeronaves e dirigíveis, mas havia barcos. Parece que o balão, pensado como meio de transporte, foi obra do jesuíta “português” Bartolomeu Lourenço de Gusmão, nascido em Santos/ SP, em 1685. Estudou no Seminário de Belém, em Cachoeira, Bahia. Só conheceu Portugal em 1701, com 16 anos, já padre jesuíta famoso por ter memória assombrosa. Suas primeiras experiências com os balões datam de 1705. Tinha voltado ao Brasil em 1702 para completar a ordenação sacerdotal e obteve do rei dom João V, em 23 de março de 1707, uma espécie de patente para o “invento de fazer subir água a toda a distância e altura que se quiser levar”. A patente fora solicitada à Câmara da Bahia: a primeira outorgada a um brasileiro, depois transformado em português, sabe-se lá por quê.

Falávamos das relações trabalhistas, certo? Pois fique o leitor de A Granja sabendo que o nosso Bola Murcha, brasileiro dos quatro costados, certa feita montou a cavalo, de manhã cedo, para assistir à ordenha num retiro distante da sede de sua fazenda mineira.

Lá chegando, deparou-se com uma cena que também vi em minha fazenda fluminense: as vacas berrando fora do curral e os bezerros presos no bezerreiro. No meu caso, os compadres fizeram o favor de avisar, de véspera, que viajariam para o santuário de Aparecida do Norte, em São Paulo, visando a botar em dia suas obrigações religiosas.

Recorri aos retireiros da fazenda vizinha para mungir minhas vaquinhas, depois que terminaram seu trabalho, e fui levar o leite à cooperativa na velha picape C-10, considerando que o caminhão passava às 6h da madrugada. Tudo bem, nada contra: não sou religioso, mas respeito as religiões dos outros. E os compadres, justiça lhes seja feita, sempre trabalharam direitinho e nunca me levaram à Junta. Nas vezes em que lá estive para rescindir contratos de trabalho, passei por cenas curiosas, como por exemplo: pai e dois filhos desavindos com o administrador. A funcionária da Junta, gorda, feia, mal-amada, querendo jogar os três contra mim. E os três, um de cada vez, repetindo: “Eu tenho direito ao que o doutor falou”. O doutor era o vosso cronista, gordo, de óculos, proprietário de um carro de segunda mão.

Bola Murcha passou por experiência diferente. Encontrou seus retireiros dizendo que tinham decidido não ordenhar naquele dia, porque voltaram tarde de uma festa e estavam indispostos para pegar em peito de vaca. Pacientíssimo, soltou os bezerros com as vacas, ficou na moita, acabou com os outros retiros e reduziu seu quadro funcional de 18 para dois empregados, sem brigas, tudo certinho na Justiça do Trabalho. Adotou gado exclusivamente de corte em toda a fazenda.

Não sei quantos dos 16 demitidos, já sem carteiras assinadas, foram parar nas favelas urbanas. Devem estar felicíssimos com o Bolsa Família. Os números são assustadores e aumentam dia a dia. Ouvi falar de 97% dos moradores de um município maranhense com Bolsa Família. Em 2010, um terço dos brasileiros será bolsista, algo assim como 63 milhões de pessoas. O resultado mais imediato da história é que lá teremos nosso Lula durante anos em Brasília, ou no avião que comprou à Boeing, antes de ser sucedido pelo dinâmico Lulinha. Tristes trópicos!

Eduardo Almeida Reis


Edição 730
10/69

 


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