Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

Uma diferença cultural (e sexual) entre brasileiros e britânicos

Ana Cristina Reis, editora da Revista O GLOBO Foto: Reprodução

Elas pediram para não ser identificadas; ele liberou a divulgação de seu nome. Elas são mulheres de 25 a 45 anos, casadas, desimpedidas ou comprometidas. Ele é um solteiro de 31 anos. Mas vamos ao princípio. A história começa há cerca de um mês. De volta das férias, fui recebida com um e-mail: “Você tem que ver o jornalista britânico que veio trabalhar aqui no nosso andar. Parece o Benedict Cumberbatch”.

Adendos: Benedict Cumberbatch é o ator interessantíssimo que faz Sherlock e também o vilão de Star Treck, tem 40 anos, às vezes é louro, noutras moreno, a depender do papel; o andar em que trabalho é habitado majoritariamente por mulheres (que não desejam ter os nomes revelados). Isto esclarecido, retornemos aos fatos: tinha gente nova no pedaço, e causando alvoroço. Enfim, uma volta de férias animada. Até que vi o rapaz. Bonito? Sim. Britânico? Sim. Mas a cara do Benedict Cumberbatch? Só se fosse o irmão mais novo de pais diferentes. Foi o que lhe disse quando fomos apresentados. Ele riu. Eu também. Nasceu uma simpatia mútua, regada a muitos bons dias e boas tardes, até que rompi a barreira da cerimônia e o convidei para almoçar num restaurante a quilo pertinho do jornal, em dia de cozinha árabe.

O que teria sido simplesmente a reunião entre dois adultos de nacionalidade, sexo e idade diferentes, em mesa com tabule, cafta e pasta de grão-de-bico, virou um assunto de Estado.

— Ele é gay?

— Tem namorada?

— Qual é o signo?

Depois de milênios de evolução e conquistas, o que a mulher moderna e independente quer saber, além do estado civil e do zodíaco?

— Como ele veio parar aqui?

Nicholas, mas pode chamar de Nick, foi contratado pela editoria de Esportes para ajudar na cobertura em inglês da Olimpíada. No dia a dia, prefere falar só em português, que aprendeu nos primeiros oito meses dos dois anos em que está no Brasil. Viveu uma temporada em São Paulo (“Fugia dos pubs para me forçar a só falar português”), gosta de Minas e da Bahia (“Têm as melhores pessoas”), foi gerente de pousada perto de Paraty e quer conhecer mais praias do Nordeste. Um gringo padrão, não fosse pela estampa de galã e pelo fato de trabalhar em um andar cheio de mulheres curiosas.

— Vocês conversaram sobre o quê?

— Conta!

Impasse: dizer toda a verdade ou manter a expectativa? Mantive o suspense, respondendo:

— As coisas de sempre: choque cultural, homofobia, racismo, o futuro do jornalismo…

Se fosse contar o primeiro tema que ele abordou no almoço, teria que montar uma barraquinha com ingresso: Nick falou sobre beijos.

— A primeira diferença cultura que notei entre britânicos e brasileiros foi em relação ao beijo — disse Nick.

Fui educada para deixar o outro falar, mas senti que um aparte seria bem-vindo. Mas quando o rapaz mencionou beijo queria dizer o cumprimento fraternal dos dois beijinhos, o ósculo romântico ou algo religioso no estilo Cântico dos Cânticos, de Salomão? Saí pela tangente:

— Como assim?

— O beijo no Brasil é mais e menos do que na Inglaterra. Mais porque beijar alguém é considerado um feito. É comum um brasileiro perguntar ao outro “Quantas mulheres você pegou?”, querendo saber na verdade quantas mulheres ele beijou. Acontece muito em festas e bares. Já vi um carioca ficar uma hora insistindo até conseguir um beijo. Uma vez, em Belo Horizonte, depois da transmissão de um jogo com seleção britânica, num bar, um bando de gringos suados e sem camisa ganhou beijos na boca de jovens bonitas e bem vestidas — comentou Nick. — Menos porque não significa necessariamente que é algo mais que um beijo.

— Como assim? — repeti.

— Beijo para os ingleses é uma questão séria, geralmente o primeiro passo para levar a mulher para a cama.

Repetimos a pasta de grão-de-bico (“Adoro. Costumava comer homus em Londres toda semana”) e conversamos sobre jornalismo, homofobia e racismo.

P.S.: Combinamos de voltar a almoçar no dia de culinária árabe. Outro detalhe que não dividi com as colegas.

 

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FONTE: O Globo.