Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

TIRO E QUEDA
Liturgia
Xafetão é a coluna por dentro da qual passa o conjunto de fios que estabelece a conexão entre a rede elétrica e os diversos pontos de luz em um prédio

Eduardo Almeida Reis

Publicação: 01/03/2014 04:00

Do grego leitourgía “função em serviço público etc.” pelo latim eclesiástico liturgia “(serviço da) missa”, o substantivo feminino entrou em nosso idioma em 1589 e tem, além de suas muitas acepções religiosas, ligação estreita com certos cargos laicos, isto é, relativos ao mundo profano ou à vida civil. Fui apresentado ao mineiro Amílcar Martins pelo jornalista Lauro Diniz, no tempo em que Amílcar acumulava duas secretarias de Estado em Minas. Almoçamos num restaurante na Pampulha, quando o secretário, hoje meu confrade e amigo na Academia Mineira de Letras, pediu: “Para de me chamar de senhor”. Expliquei-lhe que o tratamento era devido ao secretário do Estado em que vivo e trabalho, nós ambos engravatados na honrosa companhia do maestro Diniz, que, por sinal, pagou o almoço. Se e quando algum dia nos encontrássemos numa balada, o tratamento não seria cerimonioso, mas cordial e descontraído. O belo nariz de cera, que acaba de encantar o leitor, vem a propósito da correspondência trocada entre um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e um senador, perfeito idiota que se deixa filmar no Senado Federal com uma calcinha feminina vermelha sobre as calças do terno escuro. A liturgia do cargo de ministro do STF, não importa quem seja o patrício togado (há três ou quatro de lascar…), é incompatível com a troca de correspondência com um idiota, seja ou não senador da República. Aí é que está: respeitando o cargo para o qual foi nomeado, um ministro do STF tem a obrigação moral e litúrgica de se abster de certos atos. O resto é piu-piu, como dizia Ibrahim Sued, meu contemporâneo numa redação carioca.
Nosocômico

Nada melhor do que o adjetivo nosocômico para relatar cena cômica em nosocômio (hospital) de BH, a capital de todos os mineiros. Nosocômico ou nosocomial, como sabe o leitor, é “relativo a hospital”. Num dos apartamentos do Felício Rocho, um idiota recém-operado cismou de fotografar-se com o celular Nokia. É aquela idiotice chamada selfie, um tipo de fotografia em autorretrato normalmente tomada com uma câmera digital de mão ou celular com câmera. Selfies são imbecilmente associadas às redes sociais e normalmente retratam somente o idiota que se autofotografa. No meu caso a selfie seria recordação de um período particularmente doloroso desta existência que se faz longa, pois nunca frequentei redes sociais e já passei da idade de exibir minhas fotos por aí. Agora, temos o lado cômico: achar graça é uma coisa, rir é outra, rir a bandeiras despregadas, que significa rir descontroladamente, é riso diferente, mas o que se viu no episódio nosocômico foi um idiota urrando de rir ao descobrir que não sabe usar o Nokia para fotografar-se. Ficamos, portanto, sem a selfie nosocomial, mas acabo de faturar 180 palavrinhas num momento em que ando atrasadíssimo de costura.

Noticiário

Todos os telejornais noticiaram a proibição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) da venda de 21 novas drogas alucinógenas. Aqui em casa, o escritório é vizinho da sala do televisor, o que me permite zapear o LG de 47 polegadas várias vezes por dia. Resultado: pelo final da tarde já vi todas as matérias veiculadas pelos telejornais, que se repetem ao longo do dia, quando não requentam matérias exibidas dias atrás. Estranhei em todos os telejornais que nenhum repórter dissesse os nomes das 21 drogas. Nem eles nem um diretor da Anvisa, que me pareceu sujeito alfabetizado. Mistério só esclarecido na manhã seguinte com a chegada dos jornais impressos. Não faço ao leitor a descortesia de transcrever os nomes das 21 drogas proibidas, mas aqui vão algumas que devem ter contribuído para o silêncio dos repórteres na véspera: 4-bromo-2,5-dimetoxifeniletilamina. Que tal? Fácil de pronunciar, não é? A Anvisa também proibiu a 2,5-dimetoxi-4-propiltiofeniletilamina e a MXE (metoxetamina), perigosíssima porque as letras MXE podem inspirar a criação de mais um ministério, o Ministério do Xafetão Exposto, muito útil nas crises energéticas. Xafetão, como sabe o leitor, é a coluna por dentro da qual passa o conjunto de fios que estabelece a conexão entre a rede elétrica e os diversos pontos de luz em um prédio.

O mundo é uma bola

1º de março de 86 a.C. – Lúcio Cornélio Sula, no comando de um Exército da República romana, entra em Atenas e destitui o tirano Aristion, que era apoiado pelas tropas de Mitrídates VI do Ponto. E o philosopho pergunta ao caro, preclaro e paciente leitor de Tiro e Queda: que temos nós, em 2014, com essa destituição ocorrida 86 anos antes de Cristo? Em 286 o imperador romano Diocleciano concede a Maximiiano o título de Caesar. O tipo da concessão que não nos interessa em 2014, quando estamos preocupados com as concessões das linhas de ônibus urbanos e no destrinçar do trânsito caótico de Belo Horizonte, capital de todos os mineiros. Em 705 é eleito o papa João VII ensejando outra pergunta: e daí? João VII foi sucedido em 707 pelo papa Sisínio, que não é nome de papa. Em 1498, o navegador e explorador português Vasco da Gama, nome de time de futebol, chega à região que hoje atende pelo nome de Moçambique. Em 1916 nasce Mário Palmério, grande escritor e saudoso amigo. Hoje é o Dia Internacional da Proteção Civil.

Ruminanças

“Pereça a pátria, e seja salva a humanidade” (Proudhon, 1809-1865).

 

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