Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

Para onde fugir

Canadá, Nova Zelândia ou Irlanda?

Ana Cristina Reis, editora da Revista O GLOBO Foto: Reprodução
Ana Cristina Reis, editora da Revista O GLOBO

Antes que alguém argumente que tenho fixação no meu pai, digo eu: e por que não? Um telefonema e a gargalhada (às vezes, a única) do dia está garantida. Uma mensagem de texto e a certeza de que vou me divertir, aprender ou ficar preparada para o futuro. Olha só o que Eduardo Almeida Reis escreveu no dia 5 de outubro: “Se Maduro preside, Erdogan preside, Duterte preside e Dilma presidiu, Trump não será surpresa”.

Por isso não caí da cama na quarta-feira ao ser acordada sob pi, pi, pi da minha genitora, da irmã que mora em Minas e da irmã que vive nos Estados Unidos, todas correndo a anunciar que Trump tinha sido eleito. O recado da irmã americana trazia uns palavrões. O da mineira, uma piadinha. O da mamãe, uma imagem pedindo paz de espírito. Meu pai não tem WhatsApp.

A primeira reação de alguns americanos, segundo buscas em sites de pesquisa, foi: Onde morar no Canadá? Muito frio para mim, mas com a companhia e os casacos certos, quem sabe? Se bem que existe sempre Lisboa, onde estão amigos que adoram cozinhar aos domingos.

A vontade de fugir também esteve em alta em sites na semana seguinte à votação que tirou o Reino Unido da União Europeia. Canadá, Nova Zelândia e Irlanda estiveram no radar. Aqui no Rio, além de arrancar os cabelos, muitos separaram o passaporte em clima é-melhor-prevenir-do-que-remediar quando ficou definido quem disputaria a prefeitura em segundo turno.

Para onde fugir?

Kaitangata é um lugarejo na Nova Zelândia com 800 moradores, no distrito de Clutha. A região está precisando preencher mil vagas. Os empregos vão da agricultura à enfermagem, das Forças Armadas à construção civil. Se você não gosta de metrópoles, vai amar Kaitangata, que é composta por uma escola de ensino fundamental, um bar e uma pizzaria.

A Tasmânia, que é uma ilha e um estado da Austrália, abriga 500 mil habitantes, uma universidade e 17 parques com vida selvagem, além de campos de lavanda, lagos azuis, montanhas cinematográficos e praia. A ilha apresenta em média 300 dias ensolarados por ano. Há vagas para trabalhar com vacas leiteiras ou no mercado do petróleo.

Muito sol para seu gosto? Então a alternativa é Dublin. Dias nublados, pubs lotados (o Brazen Head foi aberto em 1198), gente jovem (50% dos 2 milhões de moradores têm menos de 25 anos) e empregos no campo da tecnologia. Além disso, pega muito bem estar na terra de George Bernard Shaw, James Joyce e Oscar Wilde. E de homens como o 007 Pierce Brosnan.

Se a alma pedir uma das maravilhas da natureza, o destino é o Canadá. Justin Trudeau, o primeiro-ministro, faz ioga, dança bem, tem tatuagem no ombro com um desenho que representa seus ancestrais da etnia Malaccan(vi os braços de Justin numa foto em que ele está lutando boxe. É… Ele também pratica boxe), um nariz que não faria feio nas Terras Altas (ele também tem sangue escocês) e exibe um gabinete com número igual de homens e mulheres (quando perguntaram o motivo, respondeu: “Porque estamos em 2015!”).

No país de Justin existe uma cidade de 11,583 moradores chamada Dawson Creek, na província de British Columbia. Ela tem 22 oficiais da Polícia Montada cuidando da ordem, 15 grupos representando artistas plásticos, escritos e atores, e uma atração turística considerada obrigatória: o marco zero da Alaska Highway, rodovia construída durante a Segunda Guerra Mundial para ligar os Estados Unidos ao Alasca através do Canadá. Política de boa vizinhança que hoje provocaria brotoejas em Trump.

A oportunidade em Dawson Creek é investir no florescente mercado imobiliário. São casas sólidas, preparadas para as intempéries. No verão, a temperatura média na cidade é de 15 graus. No inverno, 13 graus negativos.

Afinal, para onde fugir?

A vida real exige vistos de entrada, trabalho e permanência. O coração sentiria falta do Brasil, mesmo sendo um país grande e bobo. E é sempre prudente desconfiar do que parece muito bom para ser verdade. Um homem com nariz escocês, ombros de boxeador, espírito nobre e vasta cabeleira? Tinha que ser político num lugar frio, muito frio.

FONTE: O Globo.