Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

TIRO E QUEDA
Eleição condimentada
Os vídeos suscitam as delícias da vida, que não incluem um cruzeiro naquele barco em mar revolto: charuto bom, biscoito belga, cerveja Deus, mulher amada %u2013 a vida tem coisas muito boas

 

Eduardo Almeida Reis

Publicação: 02/04/2014 04:00

O estado montanhês, que nunca recusou condimentos em sua cozinha, promete eleição apimentada: Pimentel contra Pimenta e vice-versa ao contrário. Pimentel, sabe o leitor, é sobrenome de origem geográfica. Trata-se evidentemente de um diminutivo de Pimenta, velho na língua. De baixa latinidade Pimentellu; Pimentelli. Carolina Michaëlis explica a alcunha por Rotgesicht (rosto vermelho), Pfefferschoten-Nase (nariz de pimentão), que o senhor Fernando Damata Pimentel não tinha no dia em que o conheci em Conceição do Mato Dentro, mas tem motivos para corar por ser muito amigo da senhora Rousseff.

Pimenta da Veiga tem sobrenome que remonta, segundo Sanches de Baena, a um D. João Pires da Veiga, apelido que “foi herdado em uma veiga que está uma hora distante de Braga”. Veiga é campo fértil e cultivado, várzea, vargem, abarga, barga, varja. Vale notar que Sanches de Baena disse que Pimentel foi alcunha posta por D. Afonso III a seu moço fidalgo Vasco Martins de Novais, por sua esperteza e alacridade de ânimo. 

Augusto Romano Sanches de Baena e Farinha de Almeida Portugal Silva e Sousa (1822-1909) foi médico, historiador, genealogista e especialista em heráldica, autor de várias obras de referência no campo da heráldica e da genealogia. Doutor em farmácia pela Universidade de Coimbra, casou-se no Rio de Janeiro em março de 1859 com a carioca Felicíssima Constança Manuel Salgado. 

Pimenta de campo fértil e cultivado merece análise detalhada. Não sei andar descalço. Talvez por isso, pouco me interessa o que dizem e fazem os frades os Carmelitas Descalços, que, por sinal, usam sandálias. Prefiro ouvir o Dr. Fr. Domingos Vieira, dos Eremitas Calçados de Santo Agostinho, em seu Thesouro da Lingua Portugueza, publicado em 1878, que ensina: PIMENTA, s.f. Droga aromatica, caustica, e é ou preta da Ásia, ou longa, ou certos fructozinhos do Brazil, que requeimam e causam ardor, e que serve para temperar a comida.

O Eremita Calçado vai por aí, o verbete é imenso e o volume IV do seu Thesouro maior ainda, muito pesado e difícil de manusear diante do computador, para terminar com três adágios e provérbios absolutamente idiotas, puros, quando poderia ter recorrido ao latim: Alieno culo piper refrigerium, isso mesmo que você entendeu: piper (pimenta) no dos outros é refresco. 

Delícias 

Circulam na internet dois vídeos com a seguinte pergunta: “Existe coisa melhor do que um cruzeiro?”. No caso, um cruzeiro marítimo a bordo de imenso iate, um vídeo filmado por dentro, no salão que deve ser a recepção, outro filmado de avião ou helicóptero mostrando o barco às voltas com as ondas do mar encapelado. Faz tempo que não escrevo o adjetivo encapelado: diz-se do mar que se apresenta revolto, com ondas de grande altura.

Por dentro do barco vai um pandemônio, móveis arrastados de um canto ao outro do salão, pessoas que escorregam e caem, o vomitório deve ter sido tremendo. Na filmagem externa é fácil constatar que aqueles mares existem e não devem ser raros.

Os vídeos suscitam as delícias da vida, que não incluem um cruzeiro naquele barco em mar revolto: charuto bom, biscoito belga, cerveja Deus, mulher amada – a vida tem coisas muito boas. Costumo incluir na lista das delicias existenciais o fato de não conhecer pessoalmente as senhoras ministras e a senhora que preside esta República. Melhor que esse desconhecimento, só a cerveja Deus ao lado da mulher amada, antes de charuto regulamentar, hipótese em que o biscoito belga pode ficar para depois.

Ainda agora em março, o afro-americano Glenn Ford, preso em 1984 sob acusação de matar um joalheiro, foi libertado depois de passar mais de 25 anos no corredor da morte. Saiu gordo, risonho, com direito a indenização de uns 20 milhões de dólares: erro judicial. Seu álibi finalmente foi confirmado pela justiça do estado da Louisiana. Que seria pior: casamento com uma das ministras ou corredor da morte? Homens lúcidos escolhem o corredor.

O mundo é uma bola
 
2 de abril de 1453: o sultão otomano Mehmed II inicia o cerco a Constantinopla, hoje Istambul. Mehmed ou Maomé II, o Conquistador (1432-1481), magríssimo, tinha o nariz típico dos semitas e foi o primeiro soberano otomano a reclamar o título de califa, o soberano supremo de todos os muçulmanos, o César de Roma, soberano supremo de todos o cristãos, além dos habituais títulos de rei, sultão (o soberano de um estado muçulmano), han ou cã (soberano turco) e o mais que o leitor possa imaginar.

Limito-me ao Califa, nome próprio de um garanhão manga-larga que conheci, há muitos anos, numa fazenda de São Brás do Suaçuí. A notícia de que o Califa cobriria uma égua no cio parava a fazenda. Trabalhadores rurais, suas mulheres e filhos, hóspedes e a mais gente que soubesse do ato, ao longo da cerca do piquete, para assistir à cobertura. O digno Califa, muito mais importante do que todos os muçulmanos, fazia o que tinha de fazer e ficava sobre a égua, pescoço caído, como se estivesse dormindo, durante alguns minutos. Nas raras vezes em que levaram embora a égua, o ilustre garanhão caiu duro no chão com um sorriso em seus lábios equinos. 

Ruminanças 

“Olho vivo, porque cavalo não desce escada” (Ibrahim Sued, 1924-1995).

 

 

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