Antequam noveris, a laudando et vituperando abstine. Tutum silentium praemium.

Burocracia – No Rio, o consulado norte-americano tem funcionários brasileiros garantindo o burocratismo que caracteriza um país grande e bobo.

Bela senhora, não faz muito tempo, teve recusada por funcionário brasileiro a foto que levou ao consulado, sob o formidável argumento de que suas orelhas não apareciam no retrato.

Como não tem orelhas de abano, foi obrigada a recorrer a um profissional do Rio, que a fotografou com bolas de algodão presas com esparadrapo atrás dos pavilhões auriculares para satisfazer a exigência do imbecil que trabalha no consulado.

PEC da Bengala – Fiquei triste na tevê com o ministro Celso de Mello, de bengala, descendo de um carro diante do Supremo Tribunal Federal. Natural de Tatuí, SP, 69 anos, José Celso de Mello Filho é juiz do STF desde 1989 e decano do tribunal desde 2007. Bengala, hoje, dá ideia de algum tipo de deficiência física que obrigue a pessoa a recorrer ao adjutório para andar.

Tristeza que logo se dissipou porque me lembrei de que em 1996, portanto há 19 anos, quando me mudei para Belo Horizonte, andei de bengala durante alguns meses. Por quê? Porque tinha extraído uma verruga plantar do pé direito e recorri à bengala, que fez um sucesso danado.

Logo nos primeiros dias, convidado para exposição de arte no centro da capital, só havia uma poltrona na imensa galeria. As curadoras fizeram questão de me instalar na tal poltrona antes da sessão de gentilezas: “O senhor aceita água? Um cafezinho? Um pedaço de bolo?”. Passei o final da tarde paparicado e poupado de ver as obras expostas, mas me lembro de uma pilha de jornais velhos, cerca de 60 centímetros de altura, presos por um espeto de ferro. Obra indescritível. Deve ser sido vendida por muito dinheiro: pilha de jornais velhos, papel amarelado, dobrados e furados por um espeto.

Houve tempo no Brasil em que a bengala e o chapéu eram inseparáveis dos homens sérios. Bengala seria hoje utilíssima para espantar menores infratores a bengaladas. E o chapéu, de mil e uma utilidades, também foi abandonado. Durante séculos usei chapéus de feltro. Informação curiosa: automóvel que me aceitava de chapéu ao volante era o Fusca. O Dodge Dart e o Galaxie, carros imensos, me obrigavam a dirigir “em cabelo”, isto é, sem chapéu: “Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!” (Cesário Verde, 1855-1886).

Boné de aba virada para trás é coisa de… é coisa de… bem, deixa isso pra lá. Não posso dizer o que penso dos sujeitos que usam boné com a pala voltada para trás. Em BH tive brilhante especialista em informática, mestre na ciência da computação, bom sujeito, que não dispensava o boné virado.

Brasileiros – A mídia nhambiquara deu grande importância ao fuzilamento, depois de arrastado processo na Justiça, de um paranaense que entrou na Indonésia traficando seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Descoberto, preso e condenado, foi fuzilado no dia 28 de abril. Na defesa do seu traficante, o Brasil andou a pique de declarar guerra à Indonésia. Meses antes, o mesmo  país grande, bobo e corrupto se indignou com o fuzilamento indonésio de outro traficante nascido aqui.

De acordo com o último censo, devemos somar 204 milhões de brasileiros. Não sei se acontece com os leitores de Marcia Lobo, mas o fuzilamento de um traficante patrício – ou de muitos deles – não me fala à alma. Vivo preocupado com os milhões que não traficam e trabalham duramente, em condições dificílimas, para ganhar pouco mais que nada.

Preocupante é a vida dos milhões que perdem horas nos transportes públicos, moram mal em regiões violentíssimas, pagam impostos e não têm escolas e hospitais decentes. Todo dia a mídia fala dos 220 mil mortos em quatro anos de guerra civil na Síria, menos que número de assassinados aqui no Brasil: 56 mil por ano ou 224 mil em quatro anos. Nada mais fácil e mais desonesto do que citar os problemas dos outros esquecendo os nossos, que são muitos e só têm piorado.

Nos terremotos do Nepal também houve imensa preocupação com os brasileiros que passeavam por lá, inquietação que não há com os brasileiros que moram em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, município que a gente vê da estrada que liga Minas ao Rio.

O imbecil que lhes fala, num dia em que voltou de Cuiabá e encontrou o saudoso Opalão 79 com um pneu furado no estacionamento do Galeão, em vez de tomar o rumo da Zona Sul, à noite, para consertar o furo num borracheiro do centro da cidade, fez a besteira de procurar um borracheiro duque-caxiense.

Seria imprudente pegar a serra de Petrópolis, mão única, sem pneu sobressalente. Outro furo naquele trecho representaria uma noite inteira indo e vindo pelas estradas serranas para consertar os pneus.

Só quem já entrou em Duque de Caxias, numa noite de sábado, pode entender o “clima” local. Fortemente armados, grupos de assaltantes chegavam à borracharia para remendar os pneus de suas Kombis. E o beócio do Opalão, sentado num banquinho nos fundos da oficina imunda.

Já naquele tempo idoso e enferrujado, o Opalão não despertava a cobiça da bandidagem, mas seu dono parecia alemão e os germânicos não fazem o tipo duque-caxiense. Acabei perdendo hora e meia naquela idiotice noturna, que nada acrescenta à biografia de ninguém.

Cachorrada – Maria Luísa, de dois anos, é a caçulinha do empresário Gaetano Lopes, dono de Olavo, um buldogue francês. Desrespeito do empresário, porque Olavos só o carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac ou o mineiro Olavo Celso Romano, nascido no Morro do Ferro, distrito de Oliveira, presidente da Academia Mineira de Letras.

Doze anos atrás alguém recomendou a compra de um buldogue que me fizesse companhia na residência belo-horizontina. Conselho maldoso porque não gosto de cachorros e logo descobri a intenção do conselheiro: no Google, entre as raças mais burras do planeta, o buldogue ocupa lugar de destaque. Entendi o recado e fiquei muito ofendido.

Olavo buldogue cravou os dentes em Maria Luísa, que passou por cirurgia de três horas  levando 40 pontos nos lábios.

Bloqueio – Mesmo aqueles que adoram escrever e têm com a escrita uma relação de amor, meu caso, podem ter bloqueios que os impeçam de comentar determinados assuntos. Estou assim há muitos dias, desde que uma peça de concreto de 8 mil quilos, do metrô em construção no Rio, atingiu um brasileiro de 87 anos que passava pela calçada. No resto do planeta metrô é sistema de transporte urbano de massa realizado por trens elétricos que circulam numa rede exclusiva total ou parcialmente subterrânea. Em Belo Horizonte, capital das Minas Gerais, o metrô continua sendo um projeto; no Rio, empilha peças de concreto que desabam sobre os transeuntes e em São Paulo produz imensos buracos que engolem carros e caminhões matando pessoas.

Explico meu bloqueio: o idoso atingido é meu amigo há muitos anos. Agrícola de Souza Bethlem, pai, avô, bisavô, engenheiro, professor emérito da UFRJ. Boxeur amador, quando jovem adotou um negócio que deveria ser obrigatório nos quartos de cama de todos os homens honrados: pendurou do teto um saco de areia para esmurrar quando estivesse com raiva.

É o grande saco de couro cheio de areia, que existe em todas as academias de boxe. Nelas, para treinamento do boxeador profissional ou amador; no quarto, para descarregar as raivas que temos durante os dias.

Tetos modernos de gesso e cuspe, lajes projetadas para que os vizinhos ouçam os gritos do sexo praticado nos outros andares, tornam impossível a instalação de um saco de areia. Os gritos são indissociáveis do sexo caprichado. Se o leitor de Marcia Lobo reside numa casa ou num apartamento decente, de lajes antigas, o saco de areia é santo remédio. Mesmo afastado do boxe há séculos, juro que gostaria de instalar um saco de couro referto de areia para esmurrar sempre que vejo um petista na tevê. Referto é bom latim, muito mais chique do que cheio.

É, bebé? – Alguns pacotes de charutos baianos trazem como advertência contra os males do tabaco a foto de um homem nu olhando para sua genitália. O conjunto dos órgãos genitais, especialmente os externos, do latim genitalia, entrou em nosso idioma por volta de 1584. É substantivo feminino que só se usa durante o Carnaval.

Defronte do homem nu, cobrindo sua genitália, aparece mão de mulher, unhas bem cuidadas, com o polegar apontando para baixo. Lá em cima a advertência, em letras maiúsculas, outro substantivo feminino, puro latim, em nosso idioma desde 1543: IMPOTÊNCIA.

Embaixo da foto do homem nu você pode ler o seguinte: “O Ministério da Saúde Adverte. O uso deste produto diminui, dificulta ou impede a ereção”. Cabe a pergunta: É, bebé?

Viver faz mal à saúde e acaba diminuindo, dificultando ou impedindo as ereções. Que não fazem – seja dito de passagem – a menor falta para senhoras e senhoritas lésbicas, que abundam, bem como para as que sofrem de anosgarmia, que também abundam como abunda a pita, grande erva rosulada da família das agaváceas.

Há fumantes que sobrevivem operacionais. Tive um tio-avô, mineiro de Diamantina, fumante, família Caldeira Brant, que chegou aos 84 casado em segundas núpcias com uma professora de 46.

Nas feijoadas dos sábados em sua casa belo-horizontina, bebido e feijoado, o diamantinense recolhia ao quarto depois do almoço com a jovem professora, voltando à sala por volta das seis da tarde, olhos brilhantes, rosto avermelhado, feliz da vida.

Seu filho médico, muito mais velho que a madrasta, perguntou: “Me diz uma coisa: o pau de papai ainda fica duro?”. E a madrasta entusiasmada: “Um ferro!, menino, um ferro!”. Donde se conclui que a advertência do Ministério da Saúde tem exceções.

De papel – Triste, vejo morrerem os jornais de papel e me consola a certeza de que vou antes deles. Com o advento da tevê e da tecnologia recente perdeu o sentido noticiar coisas que o leitor soube na véspera, ao vivo e em cores.

Em rigor, a leitura do jornal de papel só se justifica se o veículo contar com analistas lúcidos para esmiuçar o noticiário com calma em slow journalism, e bons cronistas, que vejam o mundo pelas suas ópticas. Além de charges, palavras cruzadas, horóscopo, opinião, coluna social à Zózimo e outras seções que agradam a muitos leitores. As cartas dos leitores são ótimas e fáceis de editar, mas arranjam cada editor que vou te contar.

Certa vez, no jornal em que escrevia, recebi e-mail de uma jovem colega dizendo-se revisora das minhas matérias diárias, que não vinha recebendo. Passei a enviar as matérias também para a moça, que não conhecia pessoalmente. Ora, bolas, matérias assinadas por um sujeito idoso, se têm errores, como costumam ter, o problema é do autor, que já conta com um caminhão de leitores mandando e-mails para criticar as bobagens.

Quando conheci a moça promovida a outra editoria, constatei que é analfabeta e pretensiosa. Pois muito bem: indiquei ao jornal os textos de brasileira que mora nos EUA, escreve muitíssimo bem e produzia, a preços módicos, matérias interessantíssimas sobre novidades no mundo da ciência. Isso mesmo que deu para entender: furos internacionais. Sabe o leitor de Marcia Lobo qual foi a encarregada, pelo jornal, de aceitar ou não as novidades científicas? Se não sabia, fique sabendo: a tal pretensiosa analfabetíssima. Assim, fica meio difícil.

É duro constatar que muitos jornais perderam seus melhores cronistas, que morreram ou “custam caro”, e têm investido numa turminha que, com raríssimas exceções, é de lascar. Uma das últimas invenções de um grande jornal foi um filósofo (sic), que começou sua colaboração com uma “crônica” sobre os despossuídos do planeta, que, segundo informou, somam quatro bilhões de criaturas. Nem mais, nem menos: quatro bilhões. É mole?

Convenhamos em que não faz sentido derrubar árvores, ainda que de madeiras certificadas, produzir papel, gastar energia elétrica, mão de obra, tinta e combustíveis para distribuir jornais. Bobagem ainda maior é insistir nos suplementos infanto-juvenis sonhando atrair leitores jovens. É jogar dinheiro fora e muitos jornais insistem na tolice.

Conservar o leitorado adulto viciado em jornal de papel, meu caso, exige os tais cronistas e os analistas que escasseiam em nossa mídia. Acompanhei e acompanho de perto os estertores de diversos veículos, que assino há muitos anos. Em cada um deles posso ver as besteiras que vêm sendo feitas pela incompetência das respectivas chefias de redação. É triste e é a mais pura verdade.

Convergências – Muitas das novas moças do tempo das tevês estudam ou estudaram meteorologia. Todas vivem falando das zonas de convergências: do Atlântico Sul, intertropical, de umidade e outras. Brasília é a zona de convergência da desonestidade.

Por falar em moça do tempo, aquela baiana bonita, Ticiana Villas Boas, de pernas finas e horrível sotaque soteropolitano, trocou a Band pelo SBT. Casada com o Sr. Joesley Batista, dono do Friboi, Ticiana usa helicóptero para se deslocar entre sua casa e o trabalho. Faz muito bem. Quando funciona, helicóptero é o único meio de transporte tolerável nos deslocamentos paulistanos.



Ruminanças –
“Brasileirão 2015:
tatuagem muita, futebol nenhum” (R. Manso Neto).

FONTE: Jornal da ImprenÇa.


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