![]() |
|
Nove pessoas usaram ônibus cedido pela Cowan e as demais famílias se mudaram em carros particulares. Acima, a aposentada Marilda Siqueira, que não quis sair de casa porque não tem onde deixar o gato |
Angústia, incerteza, choro e desentendimentos marcaram ontem a transferência para um hotel de 19 famílias de dois condomínios vizinhos à alça norte do Viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Pedro I, Região de Venda Nova. Mais de três semanas depois do desabamento da alça sul, que matou duas pessoas e feriu 23, a Defesa Civil determinou a saída de moradores para garantir a segurança deles, diante da possibilidade de queda da parte do viaduto que ficou de pé. Foram retiradas 12 famílias dos blocos 8 e 9 do Edifício Antares e sete do bloco 3 do Edifício Savana, mais próximos da alça norte.
VEJA AQUI A MATÉRIA COMPLETA!
Oito apartamentos estavam sem moradores. Os demais vizinhos serão transferidos apenas no dia da demolição do viaduto, ainda sem data marcada. As diárias do hotel, que fica no Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste, serão pagas pela Construtora Cowan, responsável pela obra do viaduto. Perícia particular contratada pela empresa alegou que um erro no projeto executivo provocou o desabamento e sugeriu que a alça norte também pode desmoronar. Com base nesse laudo, a Defesa Civil decidiu transferir moradores, mesmo depois de a Polícia Civil anunciar que não vai considerar o estudo da Cowan nas investigações.
Apesar do conforto do hotel, os novos hóspedes viveram um dia de angústia. Na noite de sábado, quando foram informados sobre a transferência, famílias começaram a arrumar as malas. Pela manhã, em meio ao barulho de operários que retiram escombros da alça sul, muitos moradores ainda tinham dúvidas sobre como seria a mudança. A saída do ônibus pago pela Cowan para transportar as famílias estava prevista para as 14h. Nesse horário, moradores se reuniram com o coordenador municipal de Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas, para reclamar da convocação, segundo eles, de última hora.
Houve momentos de tensão. O supervisor de logística Luís Faian Aguiar Patzi, de 34 anos, um dos moradores, chegou a registrar boletim de ocorrência para ter um documento oficial sobre a saída do imóvel. “Não temos nenhum documento comprovando que o viaduto pode cair”, reclamou. Depois da reunião, moradores começaram a deixar os apartamentos. Apenas nove pessoas usaram o ônibus de turismo oferecido pela Cowan. As demais famílias foram para o hotel em carros particulares.
Futuro Além de passar por um dia difícil, famílias que tiveram de deixar as casas por tempo indeterminado temem pelo futuro. Há quem esteja preocupado com a segurança dos apartamentos, e com a possibilidade de que os blocos sejam afetados durante a demolição da alça norte ou atingidos em um eventual queda da alça. Também há famílias que não sabem como será a rotina no hotel. A Cowan vai pagar café da manhã, almoço, jantar, água sem gás, vaga de garagem e serviço de lavanderia duas vezes por semana, com o limite de oito peças por pessoa. “Minhas filhas estudam em casa e toda hora comem alguma coisa. Disseram para não levar nem o computador, mas como elas vão fazer os trabalhos de escola?”, pergunta a dona de casa Ana Lúcia Machado Aguiar, de 42. A Cowan vai oferecer transporte escolar.
Ana foi uma das moradoras que reclamou da comunicação sobre a mudança “em cima da hora”, na noite de sábado. “Fiz compras da semana e os armários e geladeira estão lotados de mantimentos. Comprei muitas frutas e disseram que não podemos levar nada para o hotel”, disse Ana Lúcia. As filhas Jéssica, de 16, Isabela, de 15, e Ana Clara, de 11, se emocionaram na despedida do poodle Scoob, que não pôde ir para o hotel e vai ficar com uma tia. A dúvida se poderiam receber visitas foi esclarecida assim que eles se acomodaram nos apartamentos. “Disseram que não”, lamentou Isabela. A técnica de enfermagem Arminda Policarpo, de 55, levou para o hotel a máquina de costura portátil, que é de estimação. “Tenho medo de ser roubada”, justificou.
Choro Moradores que continuam nos dois prédios também estão preocupados. O coronel Alexandre Lucas garantiu que não há risco para os demais blocos dos residenciais. Ainda assim, a diarista Márcia Vieira Cardin, de 42, entrou em pânico. Ela, que mora no condomínio com três filhos, chorou e precisou ser amparada por vizinhos. “Meu celular toca no trabalho e já acho que é uma tragédia”, contou. “Meu medo é um possível efeito dominó, com um prédio derrubando o outro”, acrescentou.
No fim da tarde, moradores de outros blocos e a advogada Ana Cristina Drumond, que os representa, se reuniram com o coronel Alexandre Lucas para pedir mais apoio da prefeitura e da construtora. Eles querem local para deixar animais de estimação, comunicação da data de transferência com maior antecedência e garantias de que haverá vigilância nos imóveis que ficarão fechados. Uma alternativa sugerida foi levar para o Sesc, que tem uma unidade em Venda Nova, quem precisar se hospedar com algum animal de estimação. Lucas se comprometeu a analisar os pedidos. Ele disse que escolheu o domingo para transferir as famílias por ser um dia mais tranquilo e porque normalmente todos estão em casa. Por fim, a Defesa Civil garantiu que há um esquema especial de segurança para evitar problemas com os apartamentos desocupados.
15 famílias se recusam a deixar apartamentos
No balanço oficial da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec), 42 famílias estão cadastradas no bloco 3 do Residencial Savana e nos blocos 8 e 9 do Residencial Antares para serem transferidas ao Hotel Soft Inn, no Bairro São Cristóvão, Noroeste de BH. Até o fechamento desta edição, 19 já tinham dado entrada no novo endereço, porém, 15 não aceitaram cumprir a determinação ontem, temendo problemas de segurança e também por não poderem levar animais de estimação para o hotel. Um desses casos é o da aposentada Marilda Siqueira, de 61 anos, moradora do Savana. “Eles não aceitam animal e a minha gata Nina não tem onde ficar. O problema não é meu, é deles”, diz Marilda, indignada com a situação. O taxista Anderson Siqueira, filho de Marilda, também ficou no prédio. “Como vou deixar minha mãe aqui sozinha?”, perguntou.
O problema do analista de sistemas Juvenal Júnior, de 36, é o medo de que algo possa acontecer com o apartamento durante o tempo em que ele estiver fora, como furtos ou roubos. “Não foi dada nenhuma garantia de que não teremos problemas com nosso patrimônio. Além disso, tem todo o desconforto causado por ficar fechado em um quarto de hotel”, diz ele, que mora com a mulher e uma filha. O coronel Alexandre Lucas, coordenador da Comdec, deixou claro que ontem havia a possibilidade de recusar o convite, mas que isso não será tolerado quando o viaduto for demolido. “Vamos tentar sempre na base do convencimento, mas não descartamos a ordem judicial”, diz Lucas. A Defesa Civil informou que as famílias que se recusaram a sair ontem foram informadas dos riscos e assumem as responsabilidades caso a outra alça do Viaduto Batalha dos Guararapes desabe.
Moradores de prédio próximo a viaduto que caiu começam a deixar apartamentos
![Photo: Wesley Rodrigues/Hoje em Dia, License: Wesley Rodrigues/Hoje em Dia moradora do condomíno antares](https://i0.wp.com/www.hojeemdia.com.br/polopoly_fs/1.257190.1406495958!/image/image.jpg_gen/derivatives/landscape_315/image.jpg)
FONTE: Estado de Minas e Hoje Em Dia.
.
Ele nega que o projeto apresentasse erros e evita apontar o que causou o desabamento. “As causas são uma questão que a perícia (coordenada pela Polícia Civil) vai observar. Não se pode de forma simplista atribuir uma única causa, a não ser que seja extremamente evidente, o que não ocorreu nesse caso. Diversos fatores contribuíram”, afirma. Lanna questiona a recomendação feita na terça-feira pela Cowan para que seja demolida também a alça norte do viaduto, que continua de pé com sua estrutura de sustentação reforçada por escoras. “Se o problema, como diz a construtora, está no bloco de fundação, e nenhum outro problema foi apontado, o resto está ótimo. Então, por que demolir? Por que não consertar apenas o que está errado?”, questiona, referindo-se ao fato de o parecer técnico contratado pela construtora, sem validade legal ou oficial, ter apontado que as supostas falhas do projeto executivo atingiram as bases de pilares das duas alças da edificação.
.
DEMOLIÇÃO A hipótese de manter de pé a alça norte, no entanto, é descartada pelo diretor da unidade construtora da Cowan, José Paulo Toller Motta. Segundo ele, não dá para saber o nível de comprometimento da estrutura. O relatório parcialmente divulgado ontem apontou que as 10 estacas fincadas no bloco de concreto sob um pilar da alça sul não tinham capacidade para sustentar o peso a que estavam submetidas.
.
Além disso, o bloco não tinha armações de aço suficientes para evitar se romper. Ao se quebrar, a estrutura concentrou a carga inteira nas duas estacas centrais, o que fez o pilar afundar. Os erros de cálculo estariam no projeto executivo.
.
A mesma falha teria ocorrido na fundação de um pilar da alça norte. Segundo Motta, essa estrutura de fundação também deve ter sofrido avarias, embora não se saiba em que grau. O escoramento feito após o desabamento poderia garantir que a alça continuasse de pé, caso ela fosse reta, diz o diretor. “O escoramento hoje aguenta boa parte de todos os esforços (forças) verticais (feitas de cima para baixo), mas esse viaduto é inclinado, em curva e rampa. Ele tem esforço lateral e longitudinal”, explica. “Esse pilar pode cair para o lado, para frente ou para trás. Esse movimento bateria no escoramento e geraria um efeito dominó”, acrescenta.
.
Motta afirma que a construtora não tinha condições de perceber as supostas falhas no projeto executivo. “Para verificá-las, eu teria que refazer o projeto. Tenho que recalcular toda a geometria do viaduto, verificar as cargas. Só assim eu conseguiria em um programa computacional verificar se a quantidade de aço seria suficiente ou não”, disse. “Não somos contratados para fazer isso. Não é rotina”, prosseguiu.
.
RESPONSABILIDADES Ainda que o contrato firmado com a construtora não a obrigue a tomar essa medidas, os equívocos apontados pelo parecer técnico poderiam ter sido notados, já que são muito graves. É o que defende o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), Clemenceau Chiabi. “Diante de erro tão grotesco, o engenheiro de obra poderia ter consultado o calculista. Ele poderia ter feito um questionamento, mas na praxe da engenharia o projeto não é conferido”, explicou.
.
A avaliação é reforçada pelo engenheiro Alberico Alves Teixeira, especializado em engenharia de estrutura de concreto e aço. “Normalmente, a construtora só executa, mas as falhas poderiam ter sido percebidas se o engenheiro responsável pela obra tivesse conhecimento de engenharia de estrutura”, analisa. “Erros dessa dimensão não são comuns. Foi muito descuido, se eles tiverem de fato ocorrido, o que ainda não foi oficialmente comprovado”, afirma.
.
Erros no projeto executivo são “de inteira responsabilidade” da empresa autora, afirma a Prefeitura de Belo Horizonte, em nota. “A contratada assumirá, ao assinar o contrato, a responsabilidade civil exclusiva por danos ao município ou a terceiros, por acidentes e mortes, devido a falha na elaboração dos projetos”, acrescentou o texto. Apesar disso, o órgão informa que a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) tem a incumbência de “avaliar, reprovar ou aprovar os projetos”.
FONTE: Estado de Minas.