Conrado adquiriu um apartamento em 2009, mas ainda enfrenta a burocracia do poder público
Conrado adquiriu um apartamento em 2009, mas ainda enfrenta a burocracia do poder público

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O casal Jaqueline e Leonardo Crespo adquiriu, em 2010, um apartamento de quatro quartos na planta no edifício Cambará, no Buritis. Recém-casados, os dois aguardavam ansiosos pela entrega das chaves, marcada para novembro de 2012, e depois adiada para agosto de 2014. Porém, até hoje, só a fundação foi feita e a estrutura não saiu do chão. A obra está abandonada. Tapumes foram danificados e ferragens, saqueadas.
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“Paguei R$ 200 mil e nunca mais vi a cor do dinheiro. Fizeram apenas a fundação e depois disso nenhum operário entrou lá. Isso só tem um nome: calote”, lamenta o administrador de empresas.
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Assim como os Crespos, advogados especialistas no mercado imobiliário estimam que pelo menos duas mil famílias em Belo Horizonte estejam atualmente na mesma situação. Pagaram todo o preço ou parte expressiva do imóvel às construtoras, investiram o futuro e as economias, mas viram o sonho da casa própria virar pesadelo.
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“Entre 2011 e 2012, construtoras em dificuldade financeira retardaram o andamento das obras. Mas alguns empreendimentos em execução foram totalmente paralisados, restando somente o esqueleto. Há casos em que a empresa sequer subiu um tijolo ou capinou o lote”, descreve o advogado Tiago Soares Cunha, da Viana e Cunha Advocacia e Consultoria Imobiliária.
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Segundo ele, o cenário atual não é mais de atraso, mas de abandono de obras. “É como se, 20 anos depois, o episódio da Encol estivesse se repetindo na nossa frente”, ressalta ele, referindo-se ao caso emblemático da empresa que, nos anos 90, foi à falência deixando um rombo bilionário no mercado, 45 mil mutuários de classe média lesados e milhares de funcionários sem salários e direitos trabalhistas.
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Drama
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Em matéria publicada em 19 de agosto de 2012, o Hoje em Dia contou a história de Leonardo e Jaqueline Crespo e o drama de “compradores reféns de construtoras”. À época, pouco tempo depois do casamento, eles ainda tinham a esperança de mudar para o novo endereço de 120 metros quadrados, de alto padrão, prometido pela construtora Habitare.
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Passados mais de três anos, a família cresceu, e já não guarda a ilusão. “A imagem que vemos na obra hoje é até pior, é desoladora. O pouco que tinha sido feito está quebrado e o lugar já foi invadido. Não conseguimos falar com a construtora e a Justiça não se posicionou”, diz Leonardo, que mora de aluguel com a esposa e o filho de dois anos.
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O advogado Lucas Bregunci também lamenta o rombo. Em 2010, a família dele comprou dois apartamentos no edifício Principalle, no Castelo. A promessa de entrega era 2012, mas hoje só há mato no local. “Nem as placas da construtora Dínamo estão mais lá. Estamos na Justiça, mas a essa altura é difícil achar patrimônio da empresa”, diz. No total, os Breguncis desembolsaram R$ 260 mil.
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Advogados da Habitare não retornaram ao pedido de entrevista. Já os representantes da Dínamo não foram localizados.

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Projeto de lei, apresentado pelo vereador Sérgio Fernando (PV), estabelece que a PBH não poderá conceder alvará de construção para empresa que tenha diretor que já abandonou obra. O prazo de quarentena seria de até 4 anos. Audiência pública sobre o tema está marcada para o dia 27 deste mês.
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Compradores se unem e buscam financiamento para assegurar a conclusão de edifícios
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Diante do abandono das obras, compradores de apartamentos estão se unindo em comissões, constituídas juridicamente, na tentativa de terminar a construção dos edifícios. Junto, o grupo de consumidores busca um financiamento a fim de não perder todo o dinheiro investido e ainda ficar sem o imóvel.
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O escritório Viana e Cunha Advogados assessora, atualmente, seis comissões. Uma delas é referente ao empreendimento Villa Umbria, no Ouro Preto. “É um processo complexo. Conseguimos a destituição da Habitare da condição de incorporadora e a anulação da hipoteca do terreno. A pendência hoje é o alvará de construção”, detalha Tiago Cunha.
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O Villa Umbria foi projetado com duas torres, sendo 36 apartamentos cada. No entanto, a construção de um dos prédios foi abandonada no 11º pavimento. No outro, só nove andares foram erguidos. Como o alvará foi expedido nos termos da lei antiga, para renovar a autorização a Prefeitura de Belo Horizonte pede a supressão de 14 unidades. Ou pagamento de outorga no valor superior a R$ 700 mil, segundo o advogado.
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“A gente quer retomar a obra, mas não consegue. Contratamos um escritório de construção civil que estimou em R$ 25 milhões a quantia necessária para terminar os dois prédios. A ideia é buscar um investidor, dar as escrituras como garantia e pagar o saldo devedor na entrega das chaves. Só que o poder público também dificulta nossa vida”, reclama o engenheiro de telecomunicações Conrado Teixeira Moreira.
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Em 2009, ele adquiriu um apartamento de quatro quartos e 120 metros quadrados no empreendimento de luxo, que teria quadras de esporte e três piscinas. Pagou R$ 200 mil.
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Vizinho ao Umbria, o empreendimento Lucy Rosembau também está no esqueleto. O contador Ebert Freitas faz parte da associação de adquirentes frustrados. “Pagamos quase R$ 400 por mês de taxa para custear despesas com advogado, vigilância e manutenção do local. Se não tivesse vigia, já tinham invadido o prédio”, ressalta.
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Segundo especialista, empresas têm burlado até norma de garantia real do empreendimento
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Por falta de mecanismos de controle, nem a proteção do patrimônio de afetação, criado em 2000 com a alteração da Lei de Incorporações, impediu que obras fossem abandonadas.
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A norma prevê que a construtora crie um CNPJ exclusivo para cada empreendimento, mas a adesão é opcional. Se fosse obrigatória, na prática, todos os investimentos e despesas referentes a determinado prédio em construção seriam movimentados em conta específica. Isso, em tese, livraria o comprador do risco de ser afetado pela falência ou dificuldade da empresa.
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No entanto, o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Kênio Pereira, adverte para o fato de as empresas estarem burlando a norma mesmo em empreendimentos que contam com o patrimônio de afetação.
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“Temos constatado o resultado da falta de preparo de alguns construtores, que de forma inescrupulosa receberam milhões de reais de dezenas de compradores e, passados anos, nada aplicaram na edificação”, alerta.
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Além da Habitare e Dínamo, consumidores denunciam obras não terminadas ou sequer iniciadas pela Maio/Paranasa (Privillegio Residencial Buritis) e Dharma (Sublimes, no Fernão Dias), entre outras. Em nota, a Maio disse que a incorporação foi cancelada e que negocia individualmente com os compradores. Representantes das outras empresas não foram localizados.

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Para evitar o desvio do dinheiro pago por imóveis na planta à construtora, Kênio Pereira orienta para o fato de que entre os representantes da comissão, responsável por fiscalizar a obra, devem estar profissionais especializados, como engenheiros, advogados e contadores.