Em rota de colisão
Cruzeiro e autoridades têm discursos opostos em relação à preparação da festa, e Polícia Militar vai pedir extinção de Máfia Azul e Pavilhão Independente
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Vândalos derrubaram uma árvore de grande porte durante o confronto |
A falta de diálogo e planejamento adequado para o que deveria ter sido a festa do tricampeonato do Cruzeiro, domingo, do lado de fora do Mineirão, pode ter facilitado mais um episódio de guerra entre duas facções organizadas – Máfia Azul e Pavilhão Independente – de conhecida rivalidade e histórico conturbado. Um dia depois do desespero, pânico e correria tomarem conta de torcedores celestes na Avenida Abrahão Caram, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros disseram não ter sido previamente comunicados sobre os preparativos de uma comemoração que, ao ritmo do maior trio elétrico do mundo, prometia a distribuição de 100 mil latões de cerveja a um público de nada menos do que 40 mil pessoas.
Embora Cruzeiro e empresa responsável pelo evento aleguem ter repassado todas as informações necessárias, ambos os órgãos apontam irregularidades e preparam um relatório técnico a ser entregue ao Ministério Público do estado. A PM vai além e solicita a extinção das duas organizadas, que somente em 2013, já protagonizaram pelo menos quatro confrontos registrados em estádios. O saldo da selvageria impressiona: 51 pessoas foram presas, sendo 22 por causa das brigas depois da partida e 28 flagrados no entorno do estádio, como flanelinhas, cambistas e responsáveis por furtos. Foram feitos 38 boletins de ocorrência e 127 ônibus do transporte coletivo de Belo Horizonte foram para as garagens depredados.
“Nós só fomos acionados para tratar do jogo”, disse o tenente-coronel Alberto Luiz, assessor de Comunicação da Polícia Militar, ao sustentar que a corporação não foi consultada para discutir sobre os procedimentos. Segundo ele, em uma discussão mais aprofundada sobre o evento, a PM colocaria em questão dois tópicos. “Seria necessário discutir mais sobre a distribuição de bebidas alcoólicas e a confraternização de torcidas rivais dentro da própria torcida”. O chefe do Comando de Policiamento Especializado da PM mineira, coronel Antônio de Carvalho, corroborou. “A PM não foi acionada para fazer a segurança da festa. Fomos até próativos e entramos em contato com o clube sexta-feira para oferecer suporte, mas a empresa contratada não seguiu nossas orientações básicas de segurança”.
O Corpo de Bombeiros também garante que a festa não foi realizada dentro dos trâmites previstos, com o envio do projeto temporário com 15 dias de antecedência. “Fiscalizamos o local por sabermos do evento”, disse o capitão Wendell Hoover, da Companhia de Prevenção do 3º Batalhão.
O Cruzeiro, por outro lado, garantiu que a PM foi procurada em reuniões com a Comissão de Monitoramento da Violência em Eventos Esportivos e Culturais (Comoveec) e Federação Mineira de Futebol (FMF), quando o pedido de segurança externa no estádio foi reforçado. A empresa Loja Estrutura de Eventos, contratada para organizar a festa, alegou ter repassado todas as informações sobre instalação do trio elétrico, banheiros químicos e realização do evento ao Cruzeiro.
O dia seguinte à selvageria foi de muita limpeza e reparos do lado de fora do Mineirão. Ponto da comemoração que acabou cancelada, a esquina das avenidas Abrahão Caram e Coronel Oscar Paschoal amanheceu com uma árvore de médio porte arrancada e a praça completamente pisoteada, com muita lama no lugar da grama. No Mineirinho, vândalos danificaram parte da grade de proteção e quebraram duas pilastras de concreto que fazem parte da cerca do ginásio. A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) teve muito trabalho com montanhas de resíduos, formadas por sacos, copos, latas, espetos, além de considerável quantidade de óleo, gordura e carvão deixados por ambulantes.
MORADORES ASSUSTADOS Já acostumada com a baderna e sujeira depois das partidas, desta vez a população do entorno se assustou com as cenas de violência. Para a membro da Associação Pró-Interesses do Bairro Bandeirantes, Adrienne Moore, o que se viu em frente ao Mineirinho foi uma praça de guerra. “Os moradores ficaram muito assustados. Penso que tudo que aconteceu no domingo é resultado de uma desordem total na regulação desses eventos. A baderna desses jogos está tomando um vulto cada vez maior”, opinou. Um dos diretores da Associação dos Moradores dos Bairros São Luiz e São José, Fábio Souza Melo, chamou a atenção para o fato de que ambulâncias tiveram dificuldades para chegar aos feridos. “Carros particulares tiveram que socorrer as pessoas. A situação era de calamidade.” O MP disse que aguardará documentos da PM e dos Bombeiros para se pronunciar.
PUNIÇÃO No início da noite de ontem, o Cruzeiro divulgou nota em seu site ressaltando que se reuniu com diversas autoridades na preparação do evento. O primeiro encontro ocorreu em 21 de novembro, na Região Integrada de Segurança Pública, com Polícia Civil, Militar, prefeitura, Corpo de Bombeiros, BHTrans e Minas Arena. “No dia seguinte, houve outro encontro, na Minas Arena, para tratar de detalhes do evento e foi encaminhado ofício para a PM reafirmando a festa, com público estimado de 50 mil a 70 mil”. Comparando a ação dos vândalos aos “famigerados Hooligans”, na Inglaterra, o clube pediu rigor na punição e identificação dos vândalos. “O que temos visto não são situações que devam ser tratadas nos tribunais esportivos, mas reprimidas com ações enérgicas dos responsáveis por coibir a violência e manter a ordem pública.”
Rastro da destruição
3,5
toneladas de lixo ficaram acumuladas no entorno do Mineirão
60
garis cuidaram da remoção e lavação das ruas de acesso e dos bairros São Luiz e São José
2
caminhões pipa e dois basculantes foram utilizados
127
ônibus do transporte coletivo foram depredados, mais do que o dobro do jogo contra o Grêmio (54 veículos)
De longa data…
» 6 de agosto de 2012
Briga entre membros da Máfia Azul e Pavilhão Independente na Estação Santa Tereza do metrô acaba com 18 presos. Alguns vagões e as dependências da estação são depredados
» 8 de setembro
Nova confusão, dessa vez durante o jogo Cruzeiro 1 x 0 Flamengo, no Mineirão
» 10 de outubro Logo depois de Cruzeiro 0 x 2 São Paulo, integrantes das facções voltam a se enfrentar na Avenida Abrahão Caram. Sete são detidos. Um torcedor é atingido na cabeça por uma haste de bandeira e fica ferido
» 13 de outubro
Facções se enfrentam nas arquibancadas do Independência, antes do clássico Atlético 1 x 0 Cruzeiro. Na mesma partida, uma bomba é atirada sobre atleticanos. Ambos os clubes são punidos com perda de mando de campo
» 22 de outubro
Ministério Público de Minas Gerais proíbe Máfia Azul e a Pavilhão Independente de entrar nos estádios portando bandeiras, faixas, instrumentos destinados à bateria ou charanga, até 20 de março de 2014
» 1º de novembro
Briga entre as duas torcidas provoca cancelamento da festa programada para a parte exterior do Mineirão, depois de Cruzeiro 1 x 2 Bahia
Veja também:
CRUZEIRO – suspeita de jogo vendido
Neonazistas e punks travam guerra por territórios na capital. Com outras tribos, eles são monitorados pela polícia devido a agressões, crimes de intolerância, vandalismo e tráfico
Os grupos com mais componentes sob vigilância são os de punks e de skinheads neonazistas, cada qual com 12 monitorados pela PM. Entre eles estão Antônio Donato Baudson Peret, o “Tim”, de 25 anos; Marcus Vinícius Garcia Cunha, de 26, e João Matheus Vetter de Moura, de 20, todos presos por apologia ao nazismo e formação de quadrilha, em 14 de abril, dias depois de Donato ter postado numa rede social uma fotografia em que aparece estrangulando com uma corrente um morador de rua negro. A denúncia contra os três foi aceita pela Justiça Federal. Veja AQUI!
Considerados nacionalistas e conhecidos por pregar a “supremacia branca” contra judeus, negros e homossexuais, os neonazistas geralmente se reúnem na praça da Savassi. “Ficam bebendo e brincando de bater uns nos outros. Se alguém olhar atravessado, é briga na certa. Outro dia, um colega teve de pegar um pau para se defender deles, só porque é negro”, conta um lavador de carro da região, que pediu para não ser identificado, com medo de retaliações.
Apesar da violência dos skinheads, o grupo que mais preocupa a PM atualmente é formado pelos punks. “Eles vêm da Savassi e descem a Avenida Bias Fortes até a Praça Raul Soares, onde se aglomeram. Nos últimos dias recebemos muitas denúncias de agressões contra eles, por causa da presença dos garotos de programa nos bares que os punks frequentam. Aumentamos o policiamento”, afirma o major Carlos Alves.